Hercule Florence – O Francês, inventor e o primeiro fotografo do mundo

Hercules Florence nasceu em 29 de fevereiro de 1804 em Nice , nascido na cidade de Nice, sul da França, era filho de Arnaud Florence, cirurgião do exército de Napoleão, e Augustine de Vygnallis, camponesa natural de Mônaco. Órfão de pai aos três anos, Florence foi criado junto à família de sua mãe, entre artesãos, mestres de ofício e pintores, muitos deles educados nas escolas de arte de Roma e Paris. Sabe-se, pela autobiografia manuscrita no L’ami des arts, que, até seus vinte anos, estudou desenho, obteve noções de cartografia, teve acesso à literatura de viagem e, principalmente, alimentou o desejo pela descoberta do Novo Mundo de modo muito particular, qual seja, o da aventura. Guiado por esse espírito aventureiro e, aceito como grumete pelo capitão Du Campe de Rosamel, Florence desembarcou no Rio de Janeiro em 1824.

foi um inventor, desenhista, polígrafo e pioneiro da fotografia suíço-brasileiro.

A ele é creditada a invenção independente da fotografia no Brasil, três anos antes de Louis Daguerre mas seis anos após Nicéphore Niépce, e a criação do termo photographie em 1834, alguns anos antes de John Herschel cunhar independentemente o termo photography.

Inventor de um dos primeiros métodos de fotografia do mundo, Florence foi, certamente, um dos mais interessantes e notáveis estrangeiros que se estabeleceu no Brasil, no século XIX. Viveu no país entre 1824 e 1879, quando faleceu.

O método fotográfico de Florence foi comprovado cientificamente pelo pesquisador brasileiro e emérito historiador da fotografia brasileira Boris Kossoy (1941 – ), entre 1972 e 1976. Em meados de 1976, foi testado, com sucesso, nos laboratórios do Rochester Institute of Technology, nos Estados Unidos, sob a chefia do professor Thomas Hill. Em outubro do mesmo ano, a pesquisa de Kossoy foi apresentada no III Simpósio da História da Fotografia, na George Eastman House, em Rochester. Foi a partir da pesquisa e do teste realizados por Kossoy, aos quais se seguiu a publicação, pelo pesquisador brasileiro, do livro “1833: a Descoberta Isolada da Fotografia no Brasil” (1980), que Hercule Florence tornou-se internacionalmente conhecido.

Publicado nos Anais do Museu Paulista de dezembro de 2019 o artigo Revelando Hercule Florence, o Amigo das Artes: análises por fluorescência de raios X.  A física Márcia de Almeida Rizzutto, coordenadora do NAP-Faepah, atestou, com a ajuda do método conhecido como fluorescência de raios X por dispersão de energia (ED-XRF) para detectar a presença de elementos químicos que os manuscritos de Florence descrevem fielmente os processos de produção fotográfica por ele testados em 1833. Segundo Kossoy, foi a comprovação física daquilo que já se sabia do ponto de vista químico.

Chegando ao Brasil

  Em fevereiro de 1824, zarpou no navio Marie Thérèze, ainda sob o comando do capitão Rosamel, numa viagem pelo mundo e quarenta e cinco dias depois, chegou ao Rio de Janeiro, em abril. O navio partiu do Rio de Janeiro, em 1º de maio de 1824, mas Florence permaneceu na cidade.

Começou a trabalhar como caixeiro numa casa comercial especializada em roupas, do francês Pierre Dillon, antigo secretário de  Joachim Le Breton (1760 – 1819), chefe da Missão Artística Francesa .

Trabalhou por cerca de quatro meses na livraria e tipografia do francês Pierre Plancher (1764 – 1844), sendo responsável pela execução de diversas litografias. A tipografia ficava na Rua do Cano, atual Rua Sete de Setembro. Pierre René François Plancher de La Noé havia fugido da França por sua convicção bonapartista, já que a Restauração havia levado Luís XVIII ao trono francês. Instalou-se no Rio de Janeiro, em 1824, para onde trouxe todo o equipamento necessário para montar uma tipografia, além de alguns trabalhadores que sabiam manejar prensas e imprimir livros. Foi Plancher que fundou, em 1827, o Jornal do Commercio. Antes já havia lançado um guia de ruas do Rio de Janeiro, um guia para estrangeiros na cidade, um manual de conversação francês-inglês, o Almanack Plancher, o Spectador Brasileiro, a Revista Brasileira “das ciências, artes e indústria” e o Propagador das Ciências Médicas.

A partir de um anúncio de jornal, Florence candidatou-se a participar em uma viagem acompanhando um naturalista e, como segundo desenhista, integrou-se à expedição científica de Georg Heinrich von Langsdorff (1774 – 1852). O primeiro desenhista era Adrien Taunay (1803 – 1828) que, durante a expedição, em 1828, morreu afogado quando tentava atravessar a cavalo o rio Guaporé, em Mato Grosso – ele havia substituído Johan Moritz Rugendas (1802 – 1858), que havia participado da expedição entre 1821 e 1824.

Expedição Langsdorff

Em 22 de junho de 1824, partida da Expedição Langsdorff do porto no Rio Tietê, em Porto Feliz, para o norte do Brasil. Um dos organizadores da viagem foi Francisco Álvares Machado e Vasconcellos, o anfitrião e futuro sogro de Florence. Percorreu os rios Tietê, Paraná, Pardo, Coxim, Taquari, Paraguai, São Lourenço, Cuiabá, Preto, Arinos, Juruena, Tapajós e Amazonas. Retornou de Belém, pela costa brasileira, até chegar ao Rio de Janeiro, em 10 de março de 1829.

O diário de bordo ficou por conta do Barão de Langsdorff, que o escreveu até o dia 20 de maio de 1828, quando a Expedição encontrava-se em Tocarizal, à margem do Rio Juruena, um pouco depois do Salto Augusto. Sentindo-se em grandes problemas de saúde, escreveu: “Todos à minha volta estão doentes; apenas Florence está em condições de escrever o diário, que vou incorporar ao meu”, conforme se verifica no livro sobre a Expedição Langsdorff, de Dayz.P.Fonseca, “O Viajante Hércules Florence – águas, guanás e guaranás”.

O Retorno: De Belém (Pará) ao Rio de Janeiro, o retorno se deu pela costa brasileira. O barco aportou a capital do Império em 10 de março de 1829. O diário de bordo de Hércules foi publicado em 1875, pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, sendo que posteriormente, teve várias edições comerciais, com o título de Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas – 1825- 1829.

O homem de negócios, invenções e as artes gráficas

A trajetória de Hercule Florence foi diferente da de boa parte dos viajantes aportados no Brasil na primeira metade do século XIX. Não viajou com patrocínio de monarquia ou academia de ciência, muito menos despendeu fortuna própria.

No dia 4 de janeiro de 1830, na Igreja da Sé em São Paulo, casou-se com Maria Angélica Vasconcellos, natural de Itu, filha de Francisco Alvares Machado e Vasconcellos. O casal teve 13 filhos, todos nascidos em Campinas: Amador Bueno.

Sendo em 1950 o falecimento de sua esposa, Maria Angélica.

Já em 1854 casou-se, em 4 de janeiro, com a alemã Carolina Krug (1828 – 1913), nascida na cidade de Cassel, em 21 de março de 1828. Seu nome de solteira era Caroline Mary Catherine. Carolina estudou Pedagogia na Suíça, no Instituto de Madame Niederer, esposa de um antigo colaborador e amigo de Johann Heinrich Pestalozzi (1746 – 1827), já considerado, na época, um grande pedagogo moderno. Ela migrou para o Brasil, em 1852, acompanhada de pai, mãe e dos irmãos Francisco Guilherme, Henrique e Anna. Saíram de Hamburgo em um navio à vela e a viagem durou cerca de dois meses. O irmão mais velho de Carolina, o farmacêutico Jorge Krug (? – 1875), amigo de Florence, estava, desde 1846, muito bem estabelecido em Campinas, o que atraiu o restante da família. Jorge Krug foi durante muito tempo Vice-Cônsul da Suíça em toda a Província de São Paulo.

Florence e Caroline tiveram sete filhos, todos nascidos em Campinas: Ataliba.

Florence, identificado como pintor retratista, residia na rua das Flores, 53. Anunciou aulas de pintura em sua casa ou nas casas das alunas. Também anunciou a venda de retratos de alguns deputados e de vistas de Itu e do Salto de Itu por preços cômodos.

Abriu uma loja de tecidos em Campinas. A tipografia R. Orgier, no Rio de Janeiro, publicou o manuscrito do tratado de Zoophonia, Recherche sur la voix des animaux, ou essai d’un nouveau suject d’ètudes, offert aux amis de la nature.

Passou a dedicar-se aos estudos de impressão com o intuito de publicar seu tratado sobre Zoophonia e cerca de 200 desenhos executados durante a expedição. Nesse processo, descobriu uma nova maneira de obter a impressão, que recebeu o título de Polygraphie – Poligrafia.

Da autografia à poligrafia

Uma das primeiras invenções de Florence, a autografia pode ser vista como parte de um processo identificado no conjunto de pesquisas que, desde o final do século XVIII, vinham sendo realizadas concomitantemente no Velho e no Novo Mundo a fim de aprimorar as técnicas de impressão e gravação de textos e imagens. Desde a invenção da litografia por Alois Senefelder, em 1798, até o anúncio do daguerreótipo, em 1839, cientistas, gravadores, viajantes e impressores lançaram-se na busca de técnicas que não só permitissem a reprodução fiel da natureza, mas também atendessem à crescente demanda por impressos, aquecida desde o advento do Iluminismo na Europa. Ao lado da fotografia, essas novas técnicas de impressão e reprodução de imagens foram agentes decisivos na multiplicação e variação dos usos e funções da representação visual. Ivins Jr. sugere que o número de imagens impressas no século XIX foi maior que o dos três séculos precedentes11. A informação visual, mercadoria inserida numa economia de escala transcontinental, foi aos poucos se transformando no paradigma de observação, representação e construção do real.

Observando as necessidades do meio em que se encontrava e insatisfeito com a edição de seu manuscrito Recherches sur la voix des animaux 12, feita pelo tipógrafo R. Ogier em 1831, Florence lançou-se na pesquisa por técnicas de impressão, a um só tempo, baratas e precisas. Assim, diante das condições de trabalho que a realidade socioeconômica da ex-colônia portuguesa lhe oferecia13, Florence inventaria a autografia, um processo de reprodução bastante rudimentar. Os experimentos que resultaram na invenção da nova técnica foram realizados na Rua das Flores (atual José Paulino), 53, no Bom Retiro, bairro da capital paulista onde Florence morou entre 1830 e 1831. Ali, se ocupava do ensino de pintura e da venda de retratos desenhados por ele, conforme revela um anúncio publicado no periódico liberal Farol Paulistano:

Hercule Florence, pintor retratista, morador da Rua das Flores casa nº 53 annuncia que elle dará lições de desenho em sua casa, e para as Snras nas suas casas. – Tem também para vender, os retratos de alguns Srs. Deputados: a preço, $2000 cada um. As vistas de Ytú e do Salto do mesmo, por preços cômodos14.

O primeiro manuscrito em que Florence expõe os recursos utilizados na autografia, com data estimada em 1830, intitula-se Ensaio sobre huma imprensa de algibeira. O texto descreve um aparelho leve, constituído basicamente por papel, tinta e canivete. Um instrumento simples a ser utilizado por qualquer indivíduo interessado em imprimir e divulgar textos, panfletos, anúncios ou libelos em qualquer lugar. A técnica fundia a simplicidade no fazer com a superação do obstáculo imposto pelas dificuldades de locomoção. O procedimento para multiplicar as matrizes por esse método consistia no seguinte:

  • Preparação do molde, ou folha matriz: as letras que se quer imprimir devem ser feitas numa folha de papel, por meio de pequenos cortes de canivete, de modo que se permita à tinta, num momento posterior, atravessar o papel apenas onde houver corte. Em seguida, aplica-se ao papel certa quantidade de óleo de linhaça, substância que terá efeito de verniz. Por fim, esse papel deve ser fixado numa moldura, para que permaneça rigidamente esticado
  • Impressão: sobre uma mesa coloca-se uma folha limpa, na qual será impresso o desenho ou texto presente no molde ou folha matriz. Sobre a folha limpa, coloca-se a folha matriz de maneira que o desenho ou texto fique com a frente voltada para o autor da impressão. Coloca-se, então, a tinta sobre a folha matriz, evitando pressioná-la. Deve-se tomar cuidado ainda maior para que a moldura não se mexa durante o processo, evitando perda de trabalho. A tinta deverá, assim, atravessar os cortes feitos na folha matriz e impregnar a folha limpa. Dessa forma, após a secagem, poder-se-á visualizar o desenho ou o texto impresso

A operação era bastante rudimentar quando comparada à s conhecidas técnicas de impressão com pedra, madeira ou metal. Em termos qualitativos, a autografia não alcançava as técnicas de impressão que lhe eram contemporâneas; porém, os resultados e, principalmente, o sentido econômico da nova técnica estimularam seu inventor a continuar pesquisando materiais e métodos que pudessem tornar mais nítido o resultado da impressão.

Hércules Florence Morreu, às 3 horas da tarde, acometido por uma cruel enfermidade, em 27 de março, de 1879, em Campinas. Hercule Florence era o tipo completo do homem probo e devotado à religião do trabalho. O féretro saiu da casa em que residia ao largo de Matriz Velha – Praça Bento Quirino, n. 20 – às 5 horas da tarde do dia seguinte. Foi sepultado no Cemitério Municipal de Campinas, Cemitério da Saudade, sepultura 247 da primeira divisão, quadra n. 10. , e seu enterro foi extraordinariamente concorrido.

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